24 março, 2010

A loucura da cruz

“Certamente, a palavra da cruz é loucura para os que se perdem, mas para nós, que somos salvos, poder de Deus” (1Co 1.18, ARA).


Ao escrever esta Primeira Epístola aos Coríntios, o apóstolo Paulo revela a pressão e os desafios de uma igreja iniciada num contexto cultural e religioso pagãos. Havia graves problemas espirituais e morais no estilo de vida da igreja de Corinto. Discórdias, facções, imoralidades, ações judiciais, abuso dos dons espirituais e práticas questionáveis na Ceia do Senhor formavam a pertubadora visão de uma igreja que precisava de uma ruptura extremada com as tradições helênicas politeístas idólatras. Era necessário romper com os maus costumes e com o pecado que ameaçava a existência de uma igreja imatura, apesar dos diversos dons espirituais que capacitavam muitos membros para o serviço cristão santo e produtivo.


O que o apóstolo basicamente deseja é fazer com que uma igreja dividida compreenda que o evangelho e a sabedoria de Cristo estão acima e além dessas fragmentações. O ensino paulino lembra que judeus e gentios não poderiam aceitar facilmente o evangelho: para eles a mensagem da cruz era tolice, uma loucura.

Para os judeus especificamente a idéia de que o “Messias” (o ungido de Deus) foi crucificado, pendurado no madeiro, era uma ofensa, um escândalo. Por que conforme a Lei, como está registrado em Dt 21.23 - que diz “... porquanto o que for pendurado no madeiro é maldito de Deus” - todos aqueles que morriam no madeiro caíram debaixo de maldição divina, o que nos leva a entender mais amplamente porque tal pensamento era intolerável. Intolerância agravada tendo em conta as expectativas messiânicas judaicas:

“Os judeus esperavam um Messias com poderes políticos e militares extraordinários que pudesse colocar Israel sobre todas as nações da terra (Jo 7.31). A benção de Deus era compreendida somente a partir da ostentação de símbolos econômicos, políticos e militares (poder e riqueza). Jamais poderiam aceitar alguém amaldiçoado por Deus (Gl 3.13)”. [1]

Portanto, não fazia nenhum sentido a idéia de um Salvador que, em lugar de esmagar os opressores romanos, acaba sendo crucificado por eles. Algo que não faz sentido até hoje, o que explica porque muitos judeus ainda aguardam o Messias libertário numa nação onde muitos até já cansaram de esperar, tendo optado pelo agnosticismo ou mesmo pelo ateísmo, tendências crescentes em Israel.

Os gregos por sua vez zombavam da noção de uma divindade não portadora da sabedoria filosófica, e incapaz de salvar a si mesmo da condenação da cruz. Tal sofrimento mais se coaduna às fraquezas humanas do que a um Deus-Poderoso. John Hagee acrescenta que:

“Para os gentios, a idéia de um Deus crucificado era pura loucura. Segundo a filosofia grega da época, um Deus infinito e poderoso nunca se submeteria à forma humana. Deus, que é puro espírito, nunca se confinaria a uma carne humana inerentemente má. Ele nunca viria a nós; ao invés disso, teríamos de desejar nos livrar de nossa carne e ir até onde ele está, num mundo de espírito puro”. [2]

Já para os romanos, era impensável que um ser divino, portanto bom e justo, fosse condenado à morte como um criminoso.

Paulo sintetizou bem a mente de gentios e judeus da época:

“Porque tanto os judeus pedem sinais, como os gregos buscam sabedoria; mas nós pregamos a Cristo crucificado, escândalo para os judeus, loucura para os gentios” (1Co 1.22.23, ARA).

A sabedoria humana, a saber, a filosofia grega e o exacerbado estudo da lei mosaica, tornaram a sabedoria de Deus em loucura aos olhos do homem. A cruz confundia o sistema de pensamento judaico e grego. Verdade que ecoa ainda em nossos dias. O conhecimento humano pode tornar as pessoas tão cheias de si mesmas, que tal presunção de sabedoria natural as impedem de chegar a Cristo. Tais pessoas em suas buscas pela “verdade”, de fato se perdem eternamente, pois para elas a mensagem da cruz é loucura. Para elas a cruz permanece como enigma sobrenatural que transcende as vãs elucubrações humanas. Deus destruirá tais racionalizações:

“Destruirei a sabedoria dos sábios e aniquilarei a inteligência dos instruídos” (1Co 1.19).

E o apóstolo Paulo adiciona revelações cheias de ironia:

“Porque a loucura de Deus é mais sábia do que a sabedoria humana, e a fraqueza de Deus é mais forte do que a força do homem. Irmãos, pensem no que vocês eram quando foram chamados. Poucos eram sábios segundo os padrões humanos; poucos eram poderosos; poucos eram de nobre nascimento. Mas Deus escolheu o que para o mundo é loucura para envergonhar os sábios, e escolheu o que para o mundo é fraqueza para envergonhar o que é forte. Ele escolheu o que para o mundo é insignificante, desprezado e o que nada é, para reduzir a nada o que é, a fim de que ninguém se vanglorie diante dele” (1Co 1.25-29, NVI).

Porém, como nos dias da igreja de Corinto, a soberba, a arrogância e a “sabedoria” humanas continuam impedindo hoje que muitas pessoas compreendam e aceitem a Cristo e a loucura da cruz. As lógicas humanas continuam não se coadunando com as lógicas de Deus. A mensagem do evangelho, uma tolice para o mundo, é a sabedoria de Deus revelada aos simples de coração. Não devemos nos envergonhar da nossa louca fé, pois a sabedoria divina está acima de todas as filosofias e sistemas de compreensão humana. Se a sabedoria do mundo valoriza a fama e o poder, Deus confunde tal sabedoria ao trilhar não o caminho do sucesso, mas o da simplicidade e humilhação. Sim, Ele humilhou-se, rebaixou-se ao assumir a forma humana para sofrer na cruz para que todos os que crêem nele recebam o perdão imerecido que chega como fluxo do amor perfeito. A sabedoria de Deus é o seu amor por nós, ainda que não sejamos merecedores. Os perdoados recebem gratuitamente o céu por herança e a vida pela e para a eternidade.

“Sim, os cristãos adoram a um Deus que se revela no sofrimento e na fraqueza – tolice pura para um mundo faminto por poder – mas uma mensagem poderosa de amor para aqueles que crêem” (John Hagee).

A loucura terrena é a sabedoria divina: a cruz.



Por Sandro Moraes



1. Novo Testamento King James – Edição de Estudo. P 380.

2. HAGEE, John C. Bíblia de Estudo das Profecias. P 1283.









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