16 março, 2010

O perdão como purificação da alma

Mágoa: sentimento-experiência comum a todos. Os relacionamentos não estão sempre alicerçados na simplicidade. Tantas são as diferenças entre as pessoas que o peso das variadas experiências de vida, personalidades, projetos, objetivos, sonhos ou simples desejos faz com que haja choques, colisões frontais, puxada de tapetes, competições, rivalidades, inimizades.  

Mais do que as adversidades e espinhos da existência, são as pessoas que mais nos magoam, e nós magoamos outras pessoas também. É surpreendente a capacidade que temos para ferir até a alma mesmo com os gestos mais simples, porém marcados pelo egoísmo. Já testemunhei relacionamentos entre amigos ou mesmo irmãos que muito se amavam, transformarem-se em relacionamentos amargos, nada amistosos, até moral e fisicamente agressivos, ocasionados por conflito de interesses. A comunicação é rompida, dando lugar a uma gelada indiferença. As palavras de admiração, carinho e amor quando não substituídas pelo silêncio, são suplantadas pelas tentativas de desconstrução da imagem do outro com o vociferar de uma verdadeira tsunami de palavras maledicentes.

Por todas essas razões os relacionamentos são sempre um desafio: desafio de conquista da confiança do outro, desafio de manutenção dessa confiança, desafio de abrir mão, desafio de impor-se como atitude sábia no tempo certo, desafio de cultivar cada vez mais tudo o que brota de uma amizade conquistada. Uma atitude simples, todavia impensada ou palavras imprudentes são suficientes para desconstruir em pouco tempo o que levou meses ou anos para ser construído. Dada a delicadeza e sensibilidade dos sentimentos humanos com freqüência amplificados pela imaturidade, a conquista e manutenção de um relacionamento é uma arte a ser aprendida continuamente. Como o egoísmo, uma das principais marcas de todos nós pecadores, solapa a sensibilidade para ler e perceber precisamente o outro, os relacionamentos são desafios em qualquer ambiente: de trabalho, escolar, familiares, de igreja, casamentos. No desejo, mesmo inconsciente, de superar e dominar o outro, inclinação natural do homem, reside à explicação, por exemplo, do porque um casamento que, acreditava-se durar “até que a morte nos separe”, ser subitamente interrompido. Corpos dilacerados, promessas quebradas, relacionamentos fraturados. Sobram estragos na alma. Como entulho e lixo acumulado, esses estragos adoecem todo o ser posto que alimentados a todo o momento, em todos os lugares, aonde quer que se vá, em tudo o que se pense e faça. Alimento que nada mais é do que a lembrança obstinada e masoquista capaz de perpetuar o sofrimento de ser e existir no mundo, contudo dilacerado pela permanência na mente de tudo aquilo que causa a dor. Realidade que pode ser traduzida em uma palavra: mágoa.

Onde há mágoa inexiste perdão. E a cabeça vira um inferno nas atividades diárias ou mesmo que o ‘infernizado’ esteja desfrutando as férias em cenários caribenhos paradisíacos. Aquele ou aquilo que causa dor torna-se realidade onipresente nas lembranças reincidentes. Os fatos que nos torturam estão lá na memória, quando menos se espera, e aprisionam a alma.

Impressiona a opção de muitos pelo sofrimento, corolário de um adoecimento masoquista. Opção? Sim, opção. Opção de continuar sofrendo. Tim Hansel dizia que “a dor é inevitável, mas a tristeza é opcional. Não podemos evitar a dor, mas podemos evitar a alegria”.

Sobre a mágoa o reverendo Hernandes Dias Lopes escreveu:
A mágoa é uma prisão. Ela é o cárcere da alma, o calabouço das emoções, a masmorra escura onde seus prisioneiros são atormentados pelos verdugos da consciência. Quem se alimenta da mágoa não tem paz. Não tem liberdade. Não tem alegria. Não conhece o amor. Não tem comunhão com Deus. Não pode adorar a Deus, nem trazer sua oferta ao altar. Quem retém o perdão não pode orar a Deus nem receber dele o perdão. A mágoa é autodestrutiva. Ferimo-nos a nós mesmos quando nutrimos mágoa por alguém. Guardar mágoa no coração é como beber veneno pensando que o outro é quem vai morrer. Quem vive nessa masmorra adoece emocional, física e espiritualmente.”
Existem muitas pessoas adoecidas porque rejeitam o antídoto para a mágoa oferecido pela palavra de Deus que é bálsamo da existência: o perdão.
O perdão permite que a alma aprisionada pelos sentimentos destrutivos seja libertada de seus grilhões.
Tratando da questão com realismo, perdoar não é fingir que não há sofrimento, rancor, ódio, ressentimento ou dor. A própria realidade de existir nos confronta com as nossas emoções. As recordações da história que não pode ser modificada estão lá. Mas se permitirmos, Deus pode mudar as nossas reações ou sentimentos diante das circunstâncias que nos fazem mal. Cenário muito bem interpretado na frase “perdoar é lembrar sem sentir dor”, também de autoria do Rev. Hernandes.

O perdão cura, restaura, reconcilia, nos faz transbordar de alegria e traz de volta tudo o que foi seqüestrado pelo rancor.

Mas o que significa perdoar? Suprimir as emoções, abafar os ressentimentos? Dan Hamilton disse que ressentimentos abafados nunca morrem. Ficam guardados e são alimentados como cogumelos venenosos que nascem no porão. “Ressentimento guardado nunca perderá seu poder. Como uma fagulha em um tanque de gasolina, uma simples fricção momentânea levará a uma explosão devastadora” (Dan Hamilton).

Perdão é a purificação da mente, coração e alma. Perdão é anular o desejo de justiça em prol da misericórdia. É extinguir a pulsão por vingança, é zerar a dívida do ofensor. É habitar no lugar da graça de Deus onde o nosso escrito de dívidas é cancelado, lugar que desperta o desejo de compartilhar o benefício do perdão concedido a nós sem merecimento. Perdão é uma opção, uma escolha que traz cura.       
  
“... perdoar pecados é algo divino não apenas porque somente Deus pode perdoar pecados, mas também porque ninguém consegue perdoar pecados sem Deus... Desse modo, quando perdôo alguém posso fazê-lo com toda certeza, pois eu, de mim mesmo, jamais seria capaz de perdoar alguém em meu próprio coração se ele, o meu coração, já não tiver sido entretecido pela Graça do perdão que Deus já concedeu ao meu próximo. É por esta razão que sempre devo perdoar, visto que todo perdão que nasce em mim já chega como eco do perdão divino concedido ao meu próximo. Nesse caso, quando não perdôo, não é o meu próximo quem perde alguma coisa, mas eu é que fico órfão de Deus em mim mesmo; visto que retenho contra o meu próximo aquilo que já não existe para Deus, visto que já foi por Ele des-criado: o pecado! Quando meu ódio por alguém me faz pensar que Deus não é Pai daquela pessoa, não é a pessoa que perde alguma coisa, mas tão somente eu” (Caio Fábio).

Portanto, perdoar é preciso, não para a salvação daquele que me ofende, mas para a minha própria salvação. Perdão é libertação, é permitir o fluir da vida de Deus em mim. Devemos perdoar porque Deus nos perdôo primeiro; porque perdoar é amar.

“Sobretudo, amam-se sinceramente uns aos outros, porque o amor perdoa muitíssimos pecados” (1Pe 4.8).

Por Sandro Moraes

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