06 março, 2019

A transubstanciação é um milagre possível? O que a Bíblia ensina sobre a natureza dos milagres

Por Sandro Moraes

Em sua origem etimológica a transubstanciação é a conjugação de duas palavras latinas: trans (além) e substantia (substância). É a teoria oficialmente ensinada pela igreja católica segundo a qual o pão e o vinho se tornam carne e sangue de Cristo durante a santa ceia ou eucaristia. Ainda segundo esse conceito a substância ou essência do pão e do vinho é transformada, de modo miraculoso, no corpo e no sangue do Senhor Jesus, ainda que a aparência exterior do pão e do vinho, os chamados acidentes como o sabor ou cheiro, permaneçam inalterados. 

Essa doutrina foi definida no Quarto Concílio de Latrão, reunido durante o pontificado de Inocêncio III, em 1215. Carlos Collette (1912) informa que não se declarava a transubstanciação no romanismo até o Concílio Lateranense. Antes desse concílio se insistia na presença real e corpórea de Cristo no sacramento.

Alister McGrath informa que o ensino da transubstanciação se baseia em fundamentos aristotélicos, em específico na distinção feita por Aristóteles entre "substância" e "acidente". Teólogos protestantes teceram duras críticas a essa doutrina por ocasião da Reforma sob a alegação de que tal doutrina introduzia indevidamente ideias aristotélicas na teologia cristã. O Concílio de Trento (1551) reagiu com a reafirmação da doutrina que havia sido estabelecida no Concílio Laterano. 

Após a breve explicação do significado dessa doutrina católica, devemos elaborar a pergunta cuja resposta é o alvo que o presente artigo pretende alcançar: 

A transubstanciação é um milagre possível?

O caminho para tentar encontrar a resposta é o mesmo que tem sido percorrido pelo conservadorismo evangélico desde a Reforma: das próprias declarações bíblicas para se tentar extrair a essência de seus ensinos.


Um milagre sem a aparência de milagre

Em meus mais de 15 anos de experiência de repórter fiz a cobertura jornalística de incontáveis missas celebradas em datas religiosas especiais. Sempre que me deparava com a visão da eucaristia e da suposta transubstanciação me era inescapável a sensação de testemunhar, digamos, um milagre sem a aparência de milagre; um milagre não-milagre, por assim dizer. Não há nenhuma evidência perceptível aos sentidos de transformação da hóstia e do vinho em corpo e sangue literais de Cristo pelo poder dos sacerdotes nos altares católicos. "Mas a igreja declara que a transubstanciação é um mistério!", poderia retrucar um apologista do romanismo. Para mentes sob ceticismo mais agudo o ensino católico é apenas uma suposição ou postulado, nada além disso. E um absurdo, para além disso.  

Poderíamos continuar este artigo fazendo a exegese dos textos-prova(?) que o catolicismo utiliza para tentar validar sua tese. Mas um exame mais detalhado dessas passagens escriturísticas fica para um artigo posterior. A ideia aqui é comparar a forma como os milagres registrados na Bíblia se manifestaram nos tempos do Antigo e do Novo Testamento para saber se, a partir daí, é possível descobrir se os milagres do passado possuem padrão que valide ou deslegitime o "milagre" da transubstanciação.


Exemplos bíblicos de milagres e o padrão comum a todos

Os que rejeitam a teoria da transubstanciação considerando-a uma fantasia são acusados de serem descrentes em milagres. Mas não crer nesse ensino é sinônimo de descrença nos milagres genuínos? Sem mais prolongamentos, vejamos o que a Escritura nos revela a respeito de milagres e que princípios podemos extrair dessas narrativas para avaliar o "milagre" da transubstanciação em bases sólidas.  

Só no capítulo 8 do Evangelho de Mateus são encontrados exemplos notáveis. Em 8.1-4 Jesus Cristo cura um leproso; na passagem seguinte cura, mesmo a distância, o servo de um centurião (8.5-13); depois livra instantaneamente a sogra de Pedro de uma febre, expele espíritos de endemoninhados, e cura a todos os que estavam doentes (8.14-17), e demonstra poder sobre a natureza acalmando a tempestade (8.23-27). No capítulo seguinte Jesus cura um paralítico fazendo-o andar (9.1-8). Em Mateus 9.18-26 Jesus cura uma mulher que padecia de hemorragia e aparentemente ressuscita uma menina. Em seguida Cristo dá visão a dois cegos (9.27-30), faz um mudo falar (32-34) e cura pessoas com vários tipos de doenças (9.35). O nazareno ainda alimenta milhares de pessoas na célebre multiplicação dos pães e peixes e anda sobre o mar (Mt 14.1-36). 

Muitos outros relatos miraculosos poderiam ser mencionados como aqueles realizados pelos apóstolos ou os do Antigo Testamento cujos atos sobrenaturais de Deus chegam a ser ainda mais surpreendentes tais como as narrativas envolvendo o Monte Sinai e a libertação dos hebreus do Egito.   

Os milagres de Eliseu também impressionam. Só nos primeiros capítulos de 2Reis o profeta divide as águas do rio Jordão, torna potáveis as fontes de Jericó, envia ursas para castigar rapazes irreverentes, multiplica o azeite da viúva, faz a predição do nascimento de um filho de uma sunamita, ressuscita o filho da mulher sunamita, purifica o cozido envenenado, cura a lepra de Naamã, faz boiar um machado, dá visão especial ao mensageiro do rei, cega exército sírio e faz um homem ressuscitar. 

Lição dos milagres relatados na Bíblia: eram passíveis de serem constatados, eram milagres reconhecíveis, razão pela qual muitas testemunhas glorificavam a Deus por reconhecerem nesses atos o poder e a glória divinas. Esse é o padrão reincidente nos milagres bíblicos. Em todos os exemplos o milagre era visível. A abertura do mar Vermelho com a consequente travessia em solo seco dos israelitas foi presenciada pelos beneficiados e pelos egípcios; ambos interpretaram aquilo como manifestação sobrenatural do poder de Deus. 

No milagre das bodas de Caná (João 2.1-11) Jesus transformou literalmente água em vinho. Com esse milagre ele deu início aos seus sinais em Caná da Galileia e fez com que seus discípulos passassem a crer em nEle e no seu poder. As testemunhas constataram que o que era água se transformou em vinho, passou a ter a aparência da apreciada bebida, e o que tinha gosto de água passou a ter gosto de vinho: um milagre constatável, visível.  


Diagnóstico Bíblico da Transubstanciação

O suposto "milagre" da transubstanciação não é reconhecível como tal. Não há na Bíblia esse tipo de "milagre".

Quando a igreja católica afirma, portanto, que no momento em que o padre consagra o pão e o vinho na santa missa ocorre a transubstanciação, estamos diante não de um milagre constatável, mas de uma constatada e visível fraude; e quando a igreja católica diz que durante a transubstanciação somente a substância dos elementos muda e não a aparência, presenciamos a tentativa óbvia de encobrimento de uma fraude. 

Doutrina da transubstanciação: reprovada pelas Escrituras.

Nenhum comentário: