26 setembro, 2010

INFERNO: UMA ESCOLHA DE DEUS OU DO HOMEM?

Por Sandro Moraes

“No meu entendimento, existe um defeito muito sério no caráter moral de Cristo, que é acreditar no inferno. Eu não acho que uma pessoa que seja profundamente humana possa crer na punição eterna”.

                    Bertrand Russel, ateu

"O inferno é o grande cumprimento que Deus presta à realidade da liberdade humana e à dignidade da escolha humana”. 

                     G.K. Chesterton, cristão



As modernas religiosidades, inclusive “cristãs”(?), apregoam que a crença na existência do inferno é uma horrível doutrina pagã medievalista, apêndice de obscuras épocas politeístas que não se coaduna com o infinito amor divino nem com a modernidade. A visão perturbadora da eterna condenação de homens impenitentes torna detestável a própria sonoridade da palavra. Até o século 19 era uma crença comum na igreja, porém, modernamente, até mesmo teologias “cristãs” asseveram que Deus, sendo todo amor e soberanamente bom, paciente e misericordioso, jamais cogitaria enviar suas criaturas para um lago de fogo, para um lugar de punição numa existência eternamente separada dEle.


É necessário, no entanto, fazermos uma sincera reflexão. Será que Deus, tirana e arbitrariamente, na eternidade passada, havia decidido enviar para o inferno bilhões de pessoas sem lhes dar qualquer possibilidade de escolha? Teria o Criador prazer em condenar suas criaturas a uma imortalidade torturante. Ou o inferno é conseqüência direta de uma rebelião deliberada do homem contra o seu Criador? 

Este artigo abre uma série de discussões que serão analisadas com responsabilidade. Como apologistas da fé cristã precisamos saber: o inferno é um mito criado como mecanismo de domínio de uma elite religiosa que se impõe por meio do temor, uma crença que submeteu os leigos aos profissionais da fé pelo terrorismo no perpassar dos séculos? Ou uma triste realidade apresentada como advertência de Deus aos pecadores mediante sua palavra revelada? Há compatibilidade entre o inferno e o amor de Deus? Ou são reciprocamente excludentes? Questões como essas estão esquecidas em igrejas contemporâneas, provavelmente para não desagradar a clientela, ops, o rebanho, porque é muito desagradável, ofensivo e até antiquado falar do inferno em tempos de evangelho da prosperidade.

O primeiro relevante questionamento que deve nos habitar é: o inferno é uma escolha de Deus ou do homem? Reflita leitor honestamente consigo mesmo.    

O inferno não fazia parte da criação original

Para começarmos a esboçar a resposta temos que atentar para uma fundamental revelação de Jesus Cristo a respeito do inferno. Ele disse que o inferno foi criado para o diabo e seus anjos (Mateus 25.41). Influenciado por essa objetiva informação é fácil inferir que em seu projeto original Deus não tencionava enviar seres humanos para lá. Curioso como no relato da criação em Gênesis, não há menção do inferno, ele não fazia parte da criação original. Deus foi forçado a criá-lo após a rebelião angelical que deve ter ocorrido em algum ponto no tempo entre os versículos 1 e 2 de Gênesis. Quando o homem é inserido no palco da história, ele está no paraíso. Já que a narrativa de Gênesis deixa claro que o propósito primordial da criação do homem era que este desfrutasse de uma eternidade perfeita de comunhão com o Criador, e uma vez que Jesus acrescenta que o inferno não foi criado para o homem, só podemos chegar a uma conclusão: O homem no inferno é um intruso! E muitos vão para lá por terem se aliado a mesma rebelião que antes infectou anjos, voltando-se contra o Criador e seus propósitos. 

A criação do inferno como espécie de “plano B divino” segue a mesma lógica da criação das modernas sociedades ou mesmo de civilizações antigas. Elas começam sem prisões porque as sociedades preferem viver sem elas. São forçadas a criá-las como destino legítimo dos que são punidos por não andarem conforme as leis e comprometerem as relações sociais.   

De todo modo, as Escrituras atestam incisivamente a realidade do inferno como lugar para onde pecadores não arrependidos vão. E Deus não tem prazer nisto. O livro de Ezequiel (33.11) revela inequivocamente que Deus não tem prazer na morte do ímpio, antes deseja que este se converta dos seus maus caminhos e viva. Portanto Deus odeia o inferno e não se agrada quando pessoas vão para lá.

Então o inferno é conseqüência de uma escolha humana? Este tem sido o entendimento dominante entre os cristãos em toda a história da igreja. 

O que cristãos proeminentes disseram acerca do inferno

Elucidativamente C.S. Lewis escreveu: 

“Na verdade, só existem dois tipos de pessoas: aquelas que dizem para Deus – ‘Seja feita a tua vontade’ e aquelas a quem Deus diz – ‘Seja feita a tua vontade’.”[1]

Lewis ampliou a idéia no seu livro The Problem of Pain (O Problema da Dor, 1971): 

“Se um jogo é jogado, deve ser possível perdê-lo. Se a felicidade de uma criatura repousa na auto-entrega, ninguém pode fazer tal entrega senão ela mesma (embora muitos possam ajudá-la nisso), e ela pode recusar. Eu pagaria qualquer preço para poder dizer verdadeiramente ‘todos serão salvos’. Mas minha razão replica: ‘Sem a vontade deles ou com ela?’ Se eu digo, ‘sem a vontade deles’, imediatamente percebo uma contradição: como pode o ato supremo da auto-entrega ser involuntário?” [2].

Para G.K. Chesterton: 

“O inferno é o maior elogio de Deus à dignidade da liberdade humana”[3]. 

O teólogo Haroldo O. J. Brown comentou que o inferno foi chamado de ‘o monumento mais duradouro ao livre-arbítrio’[4]

Nas palavras do Dr. Norman Geisler:

 “...Deus nos permite responder livremente ao seu amor. Se a pessoa não deseja ser amada, Deus não força a vontade dele sobre tal pessoa. Assim, Deus, em essência, está dizendo a todos nós: ‘seja como você quer, eternamente’. Céu e inferno são, portanto, meramente a forma de tornar permanente aquilo que os homens livremente almejam” [5].  

Para M.R. de Haan:

“Deus não criou os homens para o inferno, nem preparou o inferno para os homens. Se um homem, apesar disso, vai para o inferno, então somente porque ele se decide por isso, rejeitando e desprezando o maravilho dom da graça de Deus, seu amor e a salvação em Cristo Jesus. Ninguém poderá responsabilizar Deus por ter ido para o fogo do inferno e por sofrer ali durante toda a eternidade” [6]

O PHD J.P. Moreland asseverou que:

“Deus é o ser mais generoso, amoroso, maravilhoso, e atraente do cosmo. Ele nos fez valendo-se do livre-arbítrio e nos fez com um propósito: nos relacionarmos amorosamente com ele e com os outros... E se nós repetidamente deixarmos de viver segundo o propósito para o qual fomos criados (propósito que, diga-se de passagem, nos permite prosperar muito mais que se vivêssemos de qualquer outro modo), Deus certamente não terá outra escolha senão dar-nos o que pedimos durante toda a vida, que é nos afastarmos dele... Isso é o inferno”[7].

E John Ankerberg e John Weldon obervaram que:

“A Bíblia também ensina que existe um inferno eterno para aqueles que voluntariamente recusaram o amor de Deus e a misericórdia de Deus. Em grande medida, o que é realmente infernal sobre o inferno é que as pessoas o escolhem por si mesmas” [8]

O raciocínio desses cristãos está de acordo com as Escrituras

Pensar que Deus não deseja que ninguém sofra o banimento eterno é o único raciocínio coerente com o caráter dEle conforme é apresentado nas Escrituras. Mas não custa confirmar isto. Deus deseja “que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento (2 Pedro 3.9 – ARA). E também quer “que todos os homens sejam salvos, e que cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1 Timóteo 2.4 – Sociedade Bíblica Britânica).

O inferno é uma escolha humana

Deus jamais enviaria uma pessoa para o inferno contra a vontade dela, nem forçaria um indivíduo a entrar no céu sem que este desejasse. Pois do contrário, seria estupro divino. Parece absurda a idéia de pessoas que não desejariam estar no céu eternamente diante da glória de Deus. Mas o fato é que o céu seria um inferno para quem não desejasse estar lá, a exemplo dos luciferianos, adoradores de Lúcifer como símbolo de independência. Para quem passou a vida submentendo-se aos princípios luciferianos, seria uma tortura ter que ajoelhar-se diante de Deus.

O inferno é o lugar para narcisistas incorrigíveis e egocêntricos que em toda a sua existência jamais reconheceram o senhorio de Cristo, considerando-se auto-suficientes e amantes de si mesmos. Como jamais se arrependeram de seus pecados para receber o perdão e a justificação de Cristo, passarão a eternidade no inferno pecando. 

Se alguém passa uma vida inteira dizendo pelo seu modo de viver “Deus, deixe-me em paz!” Deus irá respeitar esse desejo. Se um ser evidencia na sua existência que Deus não tem relevância e quer que Ele fique distante, mesmo que não faça isto conscientemente, encontrará um lugar ideal para esse desejo por “independência”; o inferno é o lugar perfeito para todos aqueles que pelo seu estilo de vida persistem em rebeldia desafiando Deus, zombam de sua palavra, ignoram o seu chamado, rejeitam o convite da salvação, se recusam a amar e desejam viver separados do mais belo ser do cosmo. São satanistas, luciferianos, ocultistas, ateus e todos os que crêem na desimportância de Deus. A existência do inferno, portanto, é tão lógica que vai ao encontro da lógica daquele que não anseia pela presença divina. Deus chega a ser uma abominação para alguns. Se ateus como Richard Dawkins e Stephen Hawkins permanecerem até o último dia de suas existências em sua obstinação idólatra por adorar a matéria e ter fé nela e não em Deus, eles terão um lugar eterno onde estarão longe do Pai celeste como bem desejaram. 

Quando Deus envia alguém ao inferno, simplesmente está atendendo ao desejo dessa pessoa. Ele respeita a livre escolha de cada um. Não é um arrombador, nem tirano ou um deus cheio de caprichos. 

Tem razão mesmo C.S. Lewis: o céu é para aqueles que dizem para Deus: “seja feita a tua vontade!” e o inferno é para aquelas pessoas as quais Deus diz: “seja feita a tua vontade!”   


Referências

1 – C.S. Lewis. O Grande Abismo. SP: Editora Mundo Cristão, 1983, p. 53. 
2 – Citado em John Ankerberg e John Weldon. Os fatos sobre a vida após a morte. Porto Alegre: Chamada da Meia-, 1997, p. 74. 
3 - Citado em Norman Geisler e J. Yutaka Amano. Reencarnação: o fascínio que renasce em cada geração. São Paulo: Editora Mundo Cristão, 1994, p. 109.
4 – Citado em Thomas Ice e Timothy Demy. A verdade sobre o céu e a eternidade. Porto Alegre:  Chamada da Meia-Noite, 2001, p. 52.
5 – Norman L. Geisler. Raízes do mal. Grand Rapids: Zondervan,1978, p.61.
6 – M.R. de Haan. O Lago de Fogo. Uma análise bíblica da doutrina sobre a maldição eterna. Porto Alegre: Chamada da Meia-Noite, p. 26.
7 – J.P. Moreland.  Citado em Lee Strobel. Em Defesa da Fé. São Paulo: Vida, 2002, p. 235,236.
8 -  John Ankerberg e John Weldon. Os fatos sobre a vida após a morte. Porto Alegre: Chamada da Meia-, 1997, p. 73.

4 comentários:

Rô Moreira disse...

Muito bom seu texto Sandro.
O inferno é um lugar sobre o qual Deus adverte na Escritura, e sobre o qual Cristo pregou em Seu ministério na terra; portanto, é certo e bom para os crentes pregar sobre o inferno, e pregar sobre a única forma de evitá-lo, que é a fé em Jesus Cristo, soberanamente concedida por Deus àqueles que Ele escolheu para salvação.

Unknown disse...

Olá! Irmão Sandro, Graça e Paz...

Parabéns por mais uma exelente postagem, este assunto é bíblico e precisa ser pregado, porque até muitos que se dizem crentes não observam as adimoestações do Senhor Jesus, a respeito deste assunto. (Mt-18:7-9).
Alguns assuntos bíblicos parece ser desinteresantes até mesmo para alguns crentes, tais como: Santidade, vida em comunhão, vida em singelesa, carregar em si mesmo as aflições de Cristo, e principalmente este, "o inferno", que a principio é apenas um local provisório para aqueles que não obdeceram o Evangelho de Cristo, aguardarem em sofrimentos o dano da segunda morte, que é o lago de fogo e enxofre; deste nem o proprio inferno irá escapar.(Ap-20:11-15).
Deus abençoe ricamente sua vida e sua família...

Sandro Moraes disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Bastidores3 disse...

Oi Rô, tudo bem? Rô, eu creio na escolha de Deus, e nos eleitos, porque a Bíblia fala de eleição e de predestinação, só que o que me diferencia do irmãos calvinistas é a compreensão dessas verdades bíblicas. Não creio, como eles, numa escolha "soberana"(???) e arbitrária de Deus, ou seja, que na eternidade passada Deus decidiu "soberanamente" que iria mandar mais de 5 ou 6 bilhões de pessoas para o inferno, e essas pessoas seriam proibidas de receber o evangelho. Deus teria escolhido apenas alguns milhões de indivíduos para salvar? Se Deus ama a todos e escolheu alguns para salvar, porque não escolher a todos se poderia fazer isto "soberanamente"? A Escritura diz que o Pai ama a todos os homens, que não faz acepção de pessoas e que Cristo sacrificou-se por todos. Veja João 3.16. Leia estas referências: Romanos 8.29,30 e 1 Pedro 1.1,2; comprove que elas deixam claro que a eleição baseia-se na presciência, não numa decisão tirana e excludente. Entendo que a predestinação determinista é uma teologia equivocada baseada em versículos bíblicos mal aplicados e é uma teoria elitista. A predestinação fatalista torna todos os versículos bíblicos que afirmam que Deus ama a todos uma fraude. Também torna sem sentido a evangelização de todos os homens! Torna o justo julgamento de Deus em algo injusto porque alguns nasceram predestinados a ir para o inferno e outros para o céu; assim qualquer conceito ou compreensão de justiça ficam solapados! E a Bíblia fica contraditória porque apresenta ao mesmo tempo um Deus que ama a todos e um deus que ama alguns. Se os salvos já estavam arbitrariamente escolhidos, porque pregar o evangelho? E Deus se tornaria culpado pelo pecado daquele que foi predestinado por Ele a rejeitar o evangelho. Escrevi neste blog 4 artigos falando sobre o assunto. Se desejar consultá-los, fique à vontade.

Abraço querida!

Irmão Fábio, concordo com esta visão escatológica. Também sou pré-milenista e pré-tribulacionista. Quem está no inferno agora está lá em espírito mas na segunda morte receberá um corpo. Qualquer dia desses escreverei sobre isso. Deus abençoe os irmãos!