26 julho, 2013

As manifestações do asfalto e as torções ideologizadas

Por Sandro Moraes

Os protestos que varreram o país e se tornaram conhecidos em todo o mundo deixaram alguns apêndices que puderam ser vistos na última semana. Infelizmente, não foram as manifestações pacíficas que ganharam destaque dessa vez e sim as horrorosas imagens em que bandidos possuídos por fúria quase assassina destruíram vários estabelecimentos comerciais no Rio de Janeiro.

Difícil era não se sensibilizar com as lágrimas de comerciantes desesperados ao verem suas lojas vazias, completamente saqueadas. Os poucos artigos restantes martelavam como zombaria que só intensificava a dor de não saber por onde recomeçar, como pagar funcionários, como não os demitir, como pagar todas as verbas rescisórias sem produtos para vender... Um labirinto escuro e úmido. O medo das demissões deve ter habitado as mentes de trabalhadores já entorpecidas pelo que parecia inacreditável e impossível até bem pouco tempo atrás: Violência extremada só vista em filmes apocalípticos. Sim, ruas de várias cidades do país viraram a um só tempo palco para o exercício pleno da democracia e um verdadeiro inferno. Entre opiniões e análises dos fatos as posturas variavam das mais coerentes até as ideias mais inusitadas e estapafúrdias. O primeiro absurdo veio de onde menos se esperava. Uma autoridade da OAB do Rio classificou os atos de vandalismo como fascismo; surpreendente para uma entidade cuja Comissão de Direitos Humanos está sempre pronta a condenar os excessos da polícia, no entanto é tardia ou mesmo omissa para criticar marginais, tendência natural da esquerdalhada esquerdopata brasileira de sempre querer defender bandidos classificando-os como vítimas do sistema, da sociedade, do governo, ideologia que só amplifica a brutalidade e sofrimento das verdadeiras vítimas, os alvos dos bandidos. Vítimas da exclusão social, da fome... vociferam os esquerdopatizantes; gostaria de entender como é possível alguém estuprar uma vítima para matar a fome. Ou como é possível um bandido que cometeu um latrocínio ao matar um cidadão que não reagiu ao assalto está corrigindo uma injustiça social. Certo estava, se não estiver enganado, um coronel do Comando da Polícia Militar do Rio ao dizer que os direitos humanos não estão à disposição para serem usufruídos por policiais, esses trabalhadores e cidadãos. Ao que o representante da OAB retrucou: "...não estou entendendo a fala do comandante da PM. Eu disse que os atos de vandalismo foram atos fascistas...! Como foi delicioso ver um apologista dos direitos humanos se expressar constrangido. Não é senso comum. Está mais do que provado que os "direitos humanos" no Brasil, por regra, estão muito menos propensos a defender seres humanos e, sim, mais inclinados a defender seres inumanos, ou demônios com aparência de humanos ou, simplesmente, defendem homens demônios. 

Outra representação do grotesco foi o artigo supostamente escrito pelo ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva e publicado pelo New York Times na semana que passou. Sei que o apedeuta que já se gabou de não gostar de ler jornais e provavelmente é o único presidente da história mundial recente que nunca leu um livro na vida é capaz de construir monumentais bobagens como as que estão no artigo. Mas não tenho dúvida de que o caudilho não é capaz de escrever um artigo como aquele. Semanticamente o texto é de autoria dele, sintaticamente não. Explico: o artigo é bem construído nos aspectos textuais. Há em alguns pontos alguma estética e precisão ortográfica. Por isso mesmo que não foi escrito pelo apedeuta. A sua famosa verborragia empobrecida não exige do leitor perspicaz esforço para chegar a essa sentença. Ele apenas balbuciou algumas ideias, um assessor talentoso as organizou num texto sintaticamente aceitável, entretanto, semanticamente desprezível. Lula teve a coragem, ou a burrice (ou as duas coisas) de afirmar que os protestos que se espalharam pelo Brasil não foram uma revolta dos brasileiros com a classe política. Foram manifestos por mais democracia, já que, sugere um dos ícones do caudilhismo latino-americano, a população não tem motivos para insatisfações em razão do sucesso das políticas econômicas e sociais dos últimos 10 anos quando, no imaginário esquerdonarcotizante, a história do Brasil de fato começou. Se pudesse processaria o New York Times por propaganda enganosa, falsidade ideológica e por pensar que pode alavancar suas vendas na América Latina acreditando que todo brasileiro é estúpido para pensar que o que Lula tem a dizer é importante. E os anacronismos e disparates do artigo, em adição, perpassam todo o texto.          


Calvinistas e mais do mesmo 

Nos círculos religiosos esquisitices e mais clichês. O segundo aspecto foi protagonizado por calvinistas (como sempre). Vi mais de duas dezenas de textos para lembrar que "Deus está no controle". É a fórmula quase exclusiva, quase única dos reformados para interpretar os protestos do asfalto ou qualquer outro fato extremado, seja na política ou nos desastres naturais: DEUS ESTÁ NO CONTROLE aqui, Deus está no controle acolá, Deus está no controle mais adiante... DEUS ESTÁ NO CONTROLE!!! Sei do papel do Soberano Senhor da história como arminiano militante, mas os calvinistas merecem um Oscar Gospel pela originalidade.


Corpos estranhos teológicos

Num culto dominical um estimado pastor batista destacava os eventos democráticos de um povo cansado de tanta corrupção, mazelas e enganos. Falou da premência da igreja para evangelizar o Brasil. Até aí tudo bem! O problema foi o percurso escolhido pelo pregador para estimular os crentes a evangelizarem. Ele disse algo mais ou menos assim: "Você não acredita que o Brasil inteiro pode se render a Jesus? Se você não acredita é claro que não vai acontecer. Agora se você crê... É um exemplo clássico de paganismo disfarçado de roupagem cristã. Nessa lógica teria de concluir que o poder da conversão estaria na fé. Mas o poder não é da fé e sim de Deus. A fé é expressão de submissão ao Deus que faz as coisas acontecerem. Então, se eu creio ou não na possibilidade do Brasil inteiro se converter a Cristo não fará a mínima diferença porque isso não irá influenciar os fatos. Aqui temos um exemplo clássico de pensamento positivo que traz à existência coisas que não existem. Um apêndice ou emulação da confissão positiva que bebe em fontes do paganismo da antiguidade, do xamanismo da Sibéria ou da América, ou nos postulados mais modernos da fé como poder mental, como força cósmica que faz com que o universo conspire a favor do crédulo conforme a mística das religiões esotéricas de mistério de tempos antigos ou modernos.

Sei que o pastor está bem-intencionado porque é crente, conheço o ministério dele há mais de uma década, mas ele não tem consciência da gravidade do que estava falando. O mencionado pregador também externou sua convicção num "Brasil 100% Jesus" numa comparação com a célebre história de Jonas e Nínive. Sim, Nínive inteira se arrependeu, se converteu e creu, entrementes, não dá para comparar uma cidade da antiguidade de alguns milhares de habitantes com um Brasil de 190 milhões de moradores. Qual nação cristã viu a totalidade de seus habitantes transformados em seguidores de Cristo? Não conheço nenhuma. O antigo povo de Deus, Israel, é um exemplo sonoro de muitas apostasias. O respeito ao momento histórico e a unicidade de Nínive em muitos aspectos para um exercício intelectual exegético saudável é necessário. E quanto aos dois caminhos e duas portas cujas versões estreitas são a preferência da maioria? - Falo preferência porque creio no livre-arbítrio, quer dizer, na capacidade fruto da graça de Deus para que o homem receba ou rejeite a salvação gratuitamente oferecida por Ele a todos os homens. Mais que um inofensivo deslize, os postulados pós-milenistas e reinistas aqui são escorregões inaceitáveis. As igrejas históricas precisam recuperar um tempo em que seus pregadores eram mais imunes a inoculações de corpos hermenêuticos estranhos.  
    

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